domingo, 6 de março de 2011

Pança.

Era proibido entrar.
Uma cerca de madeira rodeava a casa.
Lá, as pessoas tinham gravado seus recados para o poeta.
Não tinham deixado nenhum pedacinho de madeira descoberta.
Todos falavam com ele como se estivesse vivo.
(Assim eu faço com vocês! Não sei quem me lê e quem não, mas eu falo e canto, eu grito, eu amo!)
Com lápis ou pontas de pregos, cada um tinha encontrado sua maneira de dizer: obrigado.

Eu também encontrei, sem palavras, a minha maneira.
E entrei sem entrar.
E em silêncio ficamos conversando vinhos, o poeta e eu, caladamente falando de mares e amares e de alguma poção infalível contra calvície. Compartilhamos camarões ao pil-pil e uma prodigiosa torta de jaibas e outras dessas maravilhas que alegram a alma e a pança, que são, como ele sabe muito bem, dois nomes para a mesma coisa.

Várias vezes erguemos taças de bom vinho, e um vento salgado golpeava nossas caras, e tudo foi uma cerimônia de maldição da ditadura, aquela lança negra cravada em seu torso, aquela puta dor enorme, e foi também uma cerimônia de celebração da vida, bela e efêmera como os altares de flores e os amores passageiros.

Trechos de Galeano em "Neruda 1" do Livro dos Abraços.

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